É inevitável que a reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro (PSL), apresentada na forma de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), sofra contestação no Judiciário. Conforme especialistas no tema, há pelo menos dez pontos da reforma que podem ser questionados e até mesmo barrados no Supremo Tribunal Federal (STF). É o caso da idade mínima para aposentadoria e também da regra de transição dos servidores públicos.
Segundo o jornal Valor Econômico, o governo já sabe que terá contra si uma série de ações judiciais se o texto da PEC for aprovado como está. Essas ações podem apontar inconstitucionalidades, por exemplo, no possível fim da isenção previdenciária sobre receitas de exportação, entre outros. Ministros do Supremo já indicaram aguardar processos contra a proposta em discussão. Até hoje, todas as reformas da Previdência foram parar no STF.
Além disso, esses pontos devem ser usados por quem é contrário à PEC para tentar derrubar a reforma no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, a primeira comissão a analisar uma PEC é a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Se os integrantes concluem que alguma medida é inconstitucional, barram sua tramitação.
A idade mínima é um dos aspectos que pode ser questionado, apesar de ser recorrente em reformas previdenciárias. A imposição de uma idade única sem considerar as diferentes expectativas de vida nas várias regiões do país viola o princípio da isonomia.
Para Jorge Boucinhas, professor de direito do trabalho (FGV/Eaesp), a aplicação das regras de transição é um dos pontos com maiores chances de serem contestados. Trabalhadores que ficarem de fora das regras que constam no texto em debate, segundo ele, podem alegar direito adquirido à regra intermediária. “Os que me parecem mais atingidos em termos de regra de transição e são potenciais autores em demanda judicial futura são os servidores públicos, que ingressaram no regime de 2003 a 2013”, diz.
Pelas mudanças propostas, eles teriam regras mais próximas às dos trabalhadores do setor privado. O cálculo do benefício será sobre todos os salários recebidos e não mais sobre 80% (com o descarte de 20% dos mais baixos). Além disso, há previsão de alíquota maior de contribuição previdenciária.
No entanto, o professor afirma que a tese do direito adquirido está superada no Judiciário. “Existe uma regra consagrada na jurisprudência de que não há direito adquirido a regime jurídico”, afirma o professor. Isso significa que, para o Judiciário, o trabalhador não teria direito ao regime que estava em vigor quando começou a trabalhar, apenas ao do momento em que cumpriu os requisitos para se aposentar.
Os servidores podem alegar ainda “confisco”, se tiverem que passar a pagar altas taxas (22%) de contribuição previdenciária. Esse foi um dos pontos levantados pelo escritório LBCA Advogados do texto da PEC. Sócio da banca, o advogado Yun Ki Lee destaca que, como se trata de PEC, se ficar claro que o dispositivo mexe com cláusulas pétreas da Constituição Federal, vale brigar na Justiça.
“Por exemplo, um dispositivo da PEC permite a transferência de causas sobre acidente de trabalho da Justiça Federal para a Estadual. “Nesse caso, é possível alegar desequilíbrio das partes ou a hipossuficiência do trabalhador, que são cláusulas pétreas”, afirma.
O desrespeito às cláusulas pétreas também pode ser alegado para contestar no Supremo um dispositivo da reforma que, segundo Lee, poderá afastar a imunidade das receitas de exportação. “Hoje, a Constituição afasta a incidência de contribuições sociais e Cide sobre essas receitas – o que chamamos de imunidade”, diz o advogado.
Mesmo o novo regime de capitalização criado pelo governo pode ser questionado no STF, de acordo com o levantamento do LBCA. “Seria uma espécie de previdência individual. Por isso, pode-se contestar argumentando que a Previdência Social tem que ser solidária”, diz Lee. A Constituição elenca entre os objetivos fundamentais da República construir uma sociedade solidária e assegura aos servidores regime de previdência de caráter “contributivo e solidário”.
Outro ponto discutível, segundo Lee, é o que exige fonte de custeio para qualquer ato do Executivo, Legislativo ou Judiciário que crie, majore ou estenda benefício. “Pode caracterizar violação à independência entre os Poderes. O artigo 2º da Constituição deixa claro que os três Poderes são independentes e harmônicos entre si. E o único que sabe e pode falar de onde vem o dinheiro é o Executivo”, afirma.
O advogado ainda aponta outros dois dispositivos da PEC que podem ser contestados, por restringirem o acesso ao Poder Judiciário. Um deles acaba com a possibilidade de ações judiciais contra a União, com origem em qualquer Estado, serem propostas no Distrito Federal. O segundo estabelece que só a Justiça Federal pode decidir se causas de interesse da União podem ser julgadas pela Justiça Estadual. “Atualmente, se não há Justiça Federal em um Estado, a Justiça Estadual decide causas previdenciárias”, explica Lee.
A retirada da multa de 40% sobre o saldo do FGTS dos aposentados que continuarem trabalhando também poderá ser questionada no STF, segundo Lucas Ciappina, advogado do escritório Balera, Berbel e Mitne. Para o advogado, existe a interpretação de que o FGTS corresponde a uma garantia individual, protegida por cláusula pétrea pela Constituição.
STF pode barrar ao menos 10 pontos da reforma da Previdência
1) Idade mínima para aposentadoria
2) Regra de transição dos servidores públicos
3) Sobretaxa na contribuição previdenciária (“confisco”)
4) Transferência de causas sobre acidente de trabalho da Justiça Federal para a Estadual
5) Fim da isenção previdenciária sobre receitas de exportação
6) Novo regime de capitalização
7) Exigência de fonte de custeio para atos relacionados a benefício
8) Proibição de ações judiciais contra a União no Distrito Federal
9) Exigência de que a Justiça Federal decida se causas de interesse da União podem ser julgadas pela Justiça Estadual
10) Fim da multa de 40% do FGTS dos aposentados ativos
Com informações do Valor Econômico
Fonte: Portal Vermelho